Por Eduardo Silveira
Querida mamãe,
Hoje é dia das mães,
mas eu não posso abraçar você porque eu não te conheço. Tudo bem, eu não estou triste. Eu tenho dois papais
que me amam muito, mas às vezes eu tenho curiosidade de saber quem é você
ou.... Quem são vocês? Eu já sei que também tenho duas mamães. Uma delas vendeu
seu óvulo para que meus papais pudessem ter um filho (eu no caso) e depois eu
também sei que passei nove meses na barriga de outra mamãe que me gerou. Eu sei
de tudo isso. Eu entendo. Mas eu nunca pude sentir o carinho de vocês e nem
olhar nos seus olhos. Será que você, mamãe que vendeu o óvulo, também faz essa
covinha na bochecha quando sorri? E você, mamãe que me gerou, será que cantava
pra mim quando eu estava na sua barriga e é por isso que hoje eu gosto tanto de
música?
Onde vocês estiverem,
saibam que eu queria muito conhecer vocês.
Um abraço com carinho.
Pedrinho.
Essa carta é fictícia, mas ela traz uma realidade
no mínimo instigante: as novas possibilidades que as técnicas de reprodução
assistida atuais, vinculadas à falta de definições éticas precisas, trazem para
a sociedade.
Notícia sobre o nascimento de Louise Brown, primeiro bebê de proveta do mundo. |
As técnicas de reprodução assistida foram
utilizadas pela primeira vez em 1978 e possibilitaram o nascimento do primeiro
bebê de proveta (Louise Brown na Inglaterra). Desde então, as técnicas se
aprimoraram assim como a maneira pela qual elas vêm sendo utilizadas. Se inicialmente
o advento da reprodução assistida permitiu que casais com problemas de
fertilidade pudessem realizar o sonho de ter um filho, hoje pessoas já podem
utilizar os gametas e o corpo de outras para ter um filho. Esse desenvolvimento
técnico, associado ao avanço das fronteiras sociais, permite que grupos
minoritários, como por exemplo, casais de homossexuais ou solteiros já possam
ter um filho biológico “seu”.
Porém, ao lado dessas maravilhosas
possibilidades que possibilitam a maternidade a casais que antigamente nunca
poderiam sonhar em ter um filho biológico, surgem novas e delicadas questões
que precisam ser também discutidas.
Abaixo trago algumas delas:
Hoje em dia é possível um casal gay do Brasil,
contratar uma empresa americana (um exemplo é a empresa Planet Hospital - Companhia de Turismo Médico), para utilizar o óvulo de uma mulher espanhola e
gestar a criança no útero de uma mulher indiana. Tudo isso claro, se o casal
puder arcar com os custos do procedimento. Nesse caso, ele pode ver um catálogo
com fotos das “doadoras” do gameta e escolher a que mais lhes pareça interessante.
Mulheres indianas que alugam seus úteros e durante a gestação vivem em pensões e são sustentadas pelos futuros pais dos filhos que geram. (foto: BBC) |
Toda essa prática está ligada a questões
extremamente discutíveis como: o mercado
de gametas (nos Estados Unidos anúncios chegam a oferecer U$S 5 mil pelos
gametas de mulheres bonitas e inteligentes), a doação de útero (em alguns casos os úteros são de mulheres que
vivem em situação de extrema pobreza em países como Índia e aceitam gestar uma
criança pela retribuição monetária) e a escolha
de características do filho (como sexo e fenótipos específicos – cabelos
loiros, olhos verdes, etc), entre outras. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina publicou
em 2013 uma resolução normatizadora para os procedimentos de reprodução
assistida feitos aqui.
Toda essa discussão levanta questões éticas extremamente
pertinentes: até onde temos o direito de intervir na bela e precisa história da
natureza? Embora tenhamos condições técnico-científicas cada vez maiores, por
onde devemos orientá-las? Seria na lógica capitalista que rapidamente torna
tudo um produto atrelado ao modelo do lucro? Vale lembrar que a ciência sem uma orientação
sensata e coerente corre o grande risco de sozinha, perder-se nas teias do egocentrismo e
ambição humanas...
Não estamos deixando de levar em conta questões importantíssimas
que são mais delicadas e sutis e podem se refletir, por exemplo, nas angústias
infantis de crianças não tão fictícias como o Pedrinho?
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