terça-feira, 16 de setembro de 2014

Beluga brincalhona

Por Eduardo Silveira

Que os golfinhos são animais extremamente inteligentes há muito já se sabe. Mas o que dizer desse vídeo em que uma Baleia-branca ou Beluga aparece claramente brincando com duas crianças de dentro de seu aquário, em um Oceanário dos Estados Unidos?


Não tem como não achar um animalzinho super divertido e simpático né? Pois bem! Aproveito esse vídeo bacana pra falar um pouquinho mais sobre a Beluga. Na verdade, assim como a Orca ela é conhecida comumente como baleia, mas na realidade não é exatamente uma baleia - assim como a Orca que é da família dos golfinhos (Delphinidae)

 Toxonomia

A classificação taxonômica da Beluga é a seguinte:

Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mammalia
Ordem: Cetacea
Subordem: Odontoceti
Família: Monodontidae
Gênero: Delphinapterus
Espécie: Delphinapterus leucas

Imagem mostrando diferentes
espécies da Ordem Cetacea
A Ordem Cetacea, onde estão as Baleias e Golfinhos entre outros, inclui vários mamíferos aquáticos cujos ancestrais possivelmente foram terrestres - possivelmente da Ordem Artyodactila (que inclui vários animais conhecidos como os Bois, Cabras, Girafas, porcos...). Em algum momento na evolução os Cetáceos se adaptaram ao ambiente aquático. Dentro da Ordem dos Cetáceos temos:

- Subordem Mysticeti: inclui as Baleias verdadeiras que não possuem dentes, mas cerdas queratinosas que tem a função de filtrar a água. Exemplo dessas Baleias são a Baleia azul, Baleia branca, Jubarte, etc...)

- Subordem Odontoceti: inclui os Golfinhos que já possuem dentes e são predadores muito ativos e, em alguns casos, engenhosos e estrategistas. Exemplo são os Golfinhos, Cachalotes, Orcas e a Beluga!


Características
 
Baleia-branca ou Beluga (Delphinapterus leucas)
Bom então vamos falar um pouco sobre a Beluga. É um animal muito simpático, que vive originalmente nos mares gelados do norte. Próximo ao Ártico e à Groelândia. Por conta disso, embora não apresente pelos cobrindo seu corpo, tem uma grande camada de gordura que o auxilia a enfrentar as baixas temperaturas da água.

As Belugas apresentam de 16 a 20 dentes em cada maxiliar e são predadoras, alimentando-se de lulas, crustáceos e polvos principalmente. Podem atingir comprimentos dos 3 aos 4,60 metros e pesos de 1,360 a 1,500 quilos. Elas possuem uma protuberância na frente da sua cabeça que abriga um órgão de ecolocalização chamado melão. Seu sentido da audição é altamente desenvolvido e, junto à ecolocalização, lhe permite mover-se e encontrar bolhas sob camada de gelo. As Belugas são gregárias e formam grupos de até 10 animais em média, embora durante os meses do verão, elas possam se reunir na casa das centenas ou mesmo milhares em estuários e zonas costeiras rasas. Elas são nadadoras lentas, mas elas podem mergulhar até 700 metros abaixo da superfície.


Todos os cetáceos, incluindo Belugas, possuem adaptações fisiológicas projetados para conservar oxigênio enquanto eles estão sob a água. Durante um mergulho, esses animais vão reduzir o seu ritmo cardíaco de 100 batimentos por minuto para entre 12 e 20. O fluxo de sangue é desviada de certos tecidos e órgãos, para o cérebro, coração e pulmões, que exigem um fornecimento de oxigênio constante. Um estudo encontrou uma Beluga fêmea que tinha 16,5 litros de oxigênio dissolvido em seu sangue. Por fim, os músculos da Beluga contêm altos níveis da proteína mioglobina, que armazena oxigênio no músculo. As concentrações de mioglobina são várias vezes maior do que em mamíferos terrestres, o que ajuda a prevenir a deficiência de oxigênio durante os mergulhos.
 
Mamãe beluga e seu filhote escuro
recém-nascido com 1,5m!
A maturidade sexual dos machos das Baleias Brancas é atingida aos 8-9 anos e nas fêmeas aos 4-7 anos. Procriam entre a Primavera e o Outono e têm um período de gestação de 14 a 14 meses e meio. Têm 1 cria, sendo ocasionalmente 2 crias e o intervalo de procriação é de 3 anos.
Uma característica evolutiva interessante é sua coloração. Quando nascem, as Belugas são escuras e, aos poucos vão clareando e tornando-se muito brancas para disfarçarem-se ao branco dos blocos de gelo e evitarem seus predadores, especialmente Tubarões-da-groelândia, Orcas e os Ursos polares, que as encurralam prendendo-as em blocos de gelo.
 
Isso que se assemelha a um chifre, na
realidade é um dente! No macho, o
dente canino cresce por entre o lábio
em forma de hélice e forma a presa.
Pode atingir de 1,5 -3,1m e é oca!
Ainda em relação à pele, as Belugas retornam anualmente a um local específico (geralmente o estuário de um rio) para "raspar" sua pele na areia fina nos períodos em que estão trocando de pele.  É comum ver as Belugas nadando com outro parente próximo, os Narvais (Monodon monoceros) que são da mesma família, Monodontidae.



Curiosidades

Conjunto de dentes de uma beluga
As Belugas apresentam uma gordura macia e flexível ao redor do pescoço que permitem a elas mudarem de expressão facial. Isso é possível de se ver no vídeo! A gordura que se movimenta em meio às investidas da baleia no vidro no aquário. Como eu já mencionei, o comportamento dela diante dos meninos não é por acaso! Elas são muito inteligentes e curiosas como vários representantes dessa Subordem. É comum ver as Belugas na natureza nadando próximo a barcos e, nos aquários, bem próximas ao vidro olhando os visitantes. Brincalhonas, é comum vê-las cuspindo em tratadores ou em outras Baleias.
Se as Belugas conviverem com humanos desde filhotes, tem grande capacidade de reconhecer seus hábitos e assimilá-los. Inclusive já foram registrados casos de Belugas que "aprenderam" a imitar a voz humana! Ah, essa é outra curiosidade legal! Elas também são chamadas de canários do mar por conta de seus assovios e cantos estridentes! Na gravação abaixo vocês podem ouvir o som dela "imitando" a voz humana - seria algo como "Out" (Fora, em inglês) sendo dito para um mergulhador que estava no tanque da baleia. O som foi publicado em um trabalho


Outra coisa bacana é que durante a estação de nascimento das crias é comum ver as fêmeas de Belugas transportando objetos estranhos como pedaços de madeira, boias e até mesmo esqueletos de renas que, provavelmente, são usados como brinquedos para as crias.Em alguns casos, quando o filhote morre, a fêmea tem um comportamento substitutivo, usando um objeto para substituir o filhote.

Conservação
Infelizmente atualmente as Belugas estão criticamente ameaçadas de extinção segundo a Lista Vermelha Internacional de Espécies Ameaçadas. As principais causas de sua ameaça são as mudanças climáticas que elevam a temperatura das águas frias do Ártico, acabam por derreter grandes blocos de gelo e deixam-nas mais suscetíveis à predação de grandes baleias. Além disso, a ação humana também é prejudicial. As Belugas foram durante muito tempo caçadas para ter sua carne usada para alimentação, produção de ração para animais e os ossos eram usados para se fazer fertilizante...

A poluição da água também é um problema. Já existem estudos indicando um grande número de ocorrências de câncer nas Belugas por conta dos poluentes. A poluição sonora também é prejudicial  por conta da ecolocalização, pois elas são muito sensíveis a sons e ficam desorientadas...
Enfim, um animal bem curioso e simpático! Quer conhecer?


Referências
 http://www.wwf.ca/conservation/arctic/wildlife/beluga_whales/
http://marinebio.org/species.asp?id=159
http://www.iucnredlist.org/details/61442/0
http://zoologia2013.blogspot.com.br/2013/05/beluga-delphinapterus-leucas.html
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982212010093 




segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A culpa é das mitocôndrias

A história da menina com três pais biológicos.

Por Marília Siebert

Alana Saarinen, uma americana com 13 anos, é uma entre 50 pessoas do mundo que possui três pais biológicos: duas mães e um pai.

Se você já tinha dificuldades em lidar com dois pais, imagine três.

Alana é fruto de um tratamento para infertilidade realizado nos Estados Unidos. Nesse tratamento, o conteúdo citoplasmático de uma doadora é inserido no óvulo da mãe, sendo que o núcleo do óvulo permanece intacto. Assim, a mãe colabora com 50% do material genético nuclear e o pai com a outra parte do material genético nuclear.


Alana Saarinen uma das poucas pessoas no mundo que possuem três pais biológicos.
Fonte da Imagem: bbc.co.uk


A questão não seria tão polêmica se nosso material genético estivesse restrito ao núcleo de nossas células, mas nossas mitocôndrias também contêm DNA. No momento em que o conteúdo citoplasmático é inserido no óvulo também são inseridas várias mitocôndrias, cada uma portando uma molécula de DNA. Dessa forma, além do material genético nuclear formado pela combinação dos cromossomos herdados de seu pai e sua mãe,  Alana também possui mitocôndrias com o material genético da doadora, somando três pais biológicos.

Atualmente procedimentos como esse estão banidos dos Estados Unidos devido ao desconhecimento dos possíveis efeitos gerados pela manipulação dos gametas.  Para vocês terem uma ideia do quão delicada foi a situação, outras crianças resultantes do mesmo tratamento não tiveram vida tão próspera e morreram precocemente.

Enquanto isso, do outro lado do oceano Atlântico, uma técnica parecida com essa se encontra em trâmite para aprovação pelo parlamento britânico. Na Inglaterra, o objetivo não é ajudar casais com problemas para engravidar, mas auxiliar portadores de doenças mitocondriais que passariam essa anomalia genética às próximas gerações.

Um dos grandes motivos das críticas a implementação dessa técnica (e que a diferencia de qualquer outra já realizada) é que essa manipulação irá comprometer todos os descendentes das próximas gerações. Como as mitocôndrias de um indivíduo são herdadas exclusivamente de suas mães, todos os filhos de Alana (e de outras mulheres que venham a ter três pais biológicos) teriam mitocôndrias da doadora e as suas filhas passariam essas mitocôndrias para as próximas gerações. As consequências dessa paternidade tripla para as próximas gerações, ninguém sabe.

E você, o que acha disso?

Quer saber mais sobre o assunto? Consulte o artigo completo em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140901_mitocondrias_pais_cq.shtml

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Os anticorpos e a felicidade




Um artigo muito interessante publicado em 2003 estabeleceu uma ligação entre os nossos estados emocionais e a produção de anticorpos que nos imuniza contra doenças. Essa ligação foi estudada através de um experimento engenhoso.
Os pesquisadores já sabiam que uma maior ativação de uma determinada área do lado direito do cérebro (chamada córtex pré-frontal direito, veja a figura do cérebro abaixo) estava associada a estados emocionais de depressão ("tristeza"). Além disso era sabido que quando estamos submetidos a estados emocionais fortes nossos olhos apresentam tremores musculares.

 
Diagrama representando o a área mais externa do cérebro (o córtex) vista de lado. A  área associada a depressão se encontra na parte frontal direita (cortex de associação pré-frontral).

Eles então propuseram que um grupo de voluntários tentasse se lembrar e escrever a respeito dos momentos mais tristes de suas vidas enquanto monitoravam a ativação de seus cérebros e o grau de tremor dos olhos através de aparelhos. Verificaram então que algumas pessoas ativavam mais essa região do lado direito do cérebro (ligada a depressão) e tremiam mais os olhos do que outras quando se lembravam de coisas tristes.
Separaram então os voluntários em dois grupos: um grupo que ativava muito o lado direito do cérebro e sofria de tremores oculares mais intensos (e que estariam portanto mais sujeitos a depressão) e outro grupo que ativava mais o lado esquerdo quando pensavam em coisas tristes (e que seriam portanto mais resistentes a depressão).
Depois os cientistas injetaram vacinas contendo o vírus da gripe enfraquecido nos dois grupos de pessoas e mediram, após 6 meses, a quantidade de anticorpos anti-gripe produzidos pelos dois grupos de voluntários. Como o vírus da gripe contem substâncias (antígenos) que o sistema imunológico humano reconhece como estranhas após algum tempo o corpo dos dois grupos de voluntários fabricaram anticorpos que neutralizavam os antígenos da gripe.
Contudo, o que os pesquisadores descobriram é que o grupo de pessoas que ativava mais o lado direito do cérebro (e que portanto supunham estar mais deprimido) haviam produzido menos anticorpos anti-gripe do que aqueles que ativavam mais o lado pré-frontal esquerdo.
Ou seja aparentemente o estado emocional de tristeza estava relacionado a uma menor capacidade produzir anticorpos para defender o corpo de antígenos como o vírus da gripe. Dessa forma a vacinação teria um efeito protetor menor sobre o organismo das pessoas mais deprimidas
Existem várias explicações possíveis para essa interação. Por exemplo: 1) a tristeza prejudica nosso sistema imunológico ou 2) um sistema imunológico prejudicado produz tristeza.
Atualmente muitos pesquisadores acreditam que a hipótese 1 seja válida (o que não impede que a 2 também possa ser verdadeira). Por via das dúvidas vale a pena tentar lidar com os problemas de nosso dia-a-dia da maneira mais bem-humorada possível (alguns dias, é claro, são mais fáceis do que outros). Afinal, nosso sistema imunológico parece "ficar feliz" e nos proteger de doenças melhor quando não nos estressamos por qualquer motivo.
                       
  Rosenkranz et al . PNAS September 16, 2003 , vol. 100, no. 19, 11149