segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A lesma e a cleptopastia

Por Gustavo Kerntopf.

Inúmeros são os mecanismos naturais no qual os seres biológicos apoderaram-se para sua manutenção no ambiente. Por sua vez, uma pequena lesma-do-mar (Elysia chlorotica Gould, 1870), com tamanho estimado de 20-30 mm de comprimento podendo alcançar até 45 mm, adota um mecanismo intrigante no qual após alimentar-se de algas (Vaucheria litorea Agardh, 1823) adquire a capacidade fotossintetizante, tornando-se um molusco híbrido, um animal-planta. Este mecanismo evolutivo chama-se cleptoplastia (klepto = roubo; plastic = plastidio).
Fonte: http://thefeaturedcreature.thefeaturedcreat.netdna-cdn.com/wp-content/uploads/2012/10/100112-echlorotica-022.jpg
A cleptoplastia foi caracterizado pela primeira vez, relação entre ao molusco e sua presa alga, por Robert K. Trench em 1969. E. chlorotica adquire plastídeos pela ingestão de sua fonte de alimento de algas V. litorea. As organelas são sequestradas no epitélio digestivo do molusco, onde a fotossíntese durante por meses, na ausência da alga.
Em novembro de 2008, Rumpho e colaboradores publicaram uma pesquisa demonstrando que a E. chlorotica possui um gene, o psbO, que é idêntico ao da alga em que ela se alimenta, V. litorea. Segundo outra revista, New Scientist, este híbrido animal-planta gelatinoso de cor verde parece uma folha de árvore e conquista essa capacidade. Considera ainda que a lesma marinha "é a forma suprema de energia solar: come uma planta e torna-se fontossintética".
Estudos recentes revelam que o molusco marinho também desenvolveu capacidades químicas, permitindo-lhe sintetizar clorofila, produzindo, assim, seu alimento. Duas explicações possíveis para a persistência da fotossíntese na lesma do mar são (i) a capacidade de reter plastídeos de V. litorea com autonomia genética e / ou (ii) mais provável, o molusco fornece as proteínas plastidiais essenciais.
A capacidade da lesma para manter a fotossíntese por muitos meses sem se alimentar de algas, sugere que algumas proteínas de algas devem estar sendo sintetizadas na célula hospedeira do molusco, o que implica que a clorofila a (Chl a) é sintetizada no E. chlorotica. Esta é a primeira evidência da transferência de genes entre espécies multicelulares, implica que muitos mais genes de algas podem ter sido transferidos para outros organismos do que tem se encontrado até agora.


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REFERÊNCIAS:
Trench, R.K. (1969) Chloroplasts as functional endosymbionts in the mollusc Tradachia crispata (Bërgh) (Opisthobrancha, Sacoglossa). Nature 222: 1071–1072.
Rumpho, M.E., Worful, J.M., Lee, J. et al. (2008) Horizontal gene transfer of the algal nuclear gene psbO to the photosynthetic sea slug Elysia chlorotica. PNSA 105: 17867–17871.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Pterossauros gigantes X Aeronaves modernas

Há 144 milhões de anos atrás, durante o Período Cretáceo da era Mezozóica, um réptil com 250 quilos e 10 metros de envergadura cruzava os céus deste planeta. Era um pterossauro do gênero Quetzacoatlus
Esqueleto de Quetzacoatlus. Fonte: Wikemedia.Commons. 

Estes animais eram do tamanho de aviões de caça modernos, foram os maiores animais voadores que existiram e ostentaram anatomia diferente de qualquer pássaro ou morcego. Isto os torna um modelo exclusivo para estudar a mecânica de voo. E de fato, a modelagem do voo dos pterossauros, feita a partir de princípios físicos, anatomia e registros fósseis, despertou o interesse da NASA e do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Entre os aspectos que possuem potencial para inovação estão:
·                Asas que mudam de forma. Em cada asa um dedo longo sustenta a membrana. Quando o pterossauro voa, os dedos dobram para cima com a força da batida para baixo e quando a asa sobe o dedo volta espontaneamente para posição original. Este retorno poupa uma quantidade de energia significativa. O sistema tem sido estudado para aplicação em aeronaves e para quedas, particularmente em sistemas de voo com asas convexas.
·                Sistemas de lançamento rápido. Ao contrário dos aviões atuais, pterossauros grandes não precisavam de pistas de decolagem. Eles eram especialistas em decolagens verticais, uma façanha que é impossível ou extremamente ineficiente para aeronaves de hoje. Ossos fortes, porém leves e ocos, permitiam a utilização dos quatro membros, ambos os pés e asas, para empurrar poderosamente contra o chão. Essa ação permitia-lhes gerar mais velocidade em uma distância curta enquanto entravam em voo. O projeto de aeronaves com sistemas fisicamente análogos que permitiriam um lançamento vertical com baixo consumo energético tem sido investigado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos.
·                Tendas de baixa vibração. Para voar os pterossauros mantinham suas asas uniformemente esticadas. As asas eram formadas por fibras longas e grossas atravessadas por fibras menores que controlavam o quanto as asas vibravam. As fibras se movem independentemente sobre a alta pressão do ar e a frequência das vibrações se cancelam, desta forma, as asas se mantinham estáveis. A mesma tecnologia pode ser utilizada para reduzir a vibração do tecido e consequentemente o ruído produzido dentro de barracas utilizadas em condições de ventos com altas velocidades.

É fascinante como uma biotecnologia de milhões de anos atrás pode ser desvendada e servir de inspiração para o desenvolvimento de inovações tecnológicas atuais. 


Texto adaptado de: SNEED, A. Giant Pterosaurs Serve as Aircraft Inspiration. Jul 15, 2014. Disponível em: <http://www.scientificamerican.com/article/giant-pterosaurs-serve-as-aircraft-inspiration> Acesso: 11/08/2014.