quinta-feira, 19 de março de 2015

Adeus caixões?

Por Eduardo Silveira

Olá pessoal,

Retornando das férias e reativando as publicações no blog, vamos lá!!

Na Segunda Fase em que estou trabalhando nesse semestre, estávamos discutindo sobre a divisão celular. A partir de três vídeos propus o exercício de pensarmos a relação entre eles, a divisão celular e a vida. E assim, em meio à discussão, surgiu a ideia de que a vida é um ciclo contínuo. Eterno retorno. Nascemos, crescemos e morremos, mas aquilo que nos constitui serve de elemento para que outras vidas também possam constituir-se. Esses são os três pequenos vídeos:

Daniel Csobot - Macro Time Lapse
Sam Taylor-Wood - A Little Death
Emma Allen - Ruby


Aí, a Laura, da turma 222 encontrou essa notícia e me mandou





Depois de ler, fiz algumas reflexões e resolvi escrever sobre a questão da morte. Um tema silenciado. Esquecido e muito problemático de se discutir na nossa sociedade. Paradoxal: a morte sussurra sua presença continuamente para nós e nos negamos a vê-la como parte fundamental da nossa existência.



Mulher Ianomâmi.


Quando li a notícia comecei a pensar sobre a questão da morte e de nosso comportamento em relação a ela... Culturalmente a morte pode significar muitas coisas para o ser humano. Cada cultura, em cada local do planeta, tem um entendimento sobre a morte e uma maneira de relacionar-se com ela. Para a antropologia, as tradições culturais relacionadas à morte são como aquelas relacionadas ao nascimento. Ou seja, assim como quando um bebê nasce, ele ganha um nome, e existem tradições que determinam o nascimento daquele indivíduo na cultura, um morto só se torna de fato um morto quando passa pelos rituais específicos da cultura.


Uma definição bacana de ritual está expressa nas palavras da antropóloga Mariza Pereiano:

O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é constituído de sequências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressos por múltiplos meios. Estas sequências têm conteúdo e arranjos caracterizados por graus variados de formalidade (convencionalidade), estereotipia(rigidez), condensação (fusão) e redundância (repetição).

Existem rituais que, para nós, podem parecer tenebrosos. Assim como para eles, deve ser tenebroso botar o corpo dentro do caixão e jogar embaixo da terra...



Ritual Ianomâmi.
O primeiro exemplo que trago é dos povos Ameríndios da América do Sul (Ianomâmis que vivem na Amazônia venezuelana). 

Para esse povo, a morte de um parente é ocasionada a ação de xamãs e demônios. Nesse caso, logo após a morte o corpo é cremado. As cinzas e ossos resultantes são guardados e depois de um tempo são incorporadas a uma sopa de bananas que o grupo familiar do morto come. Com isso eles acreditam que estariam absorvendo a energia vital do morto. A prática é chamada de endocanibalismo.   

Representação de um Jhator.
Entre os tibetanos, em sua maioria budista, existia um costume chamado de "jhator". Ele era um hábito funerário tibetano, em que partes específicas do cadáver eram dissecadas e depositadas no alto de uma montanha para sofrer a ação da natureza,  sobretudo das aves de rapina. 

Lembrando que para o budismo, após a morte, a alma segue viva e torna a reencarnar. Nesse caso, o corpo é somente uma casca vazia que nada mais significa. 





Aves saprófitas se alimentando de
cadáver humano em um Jhator.

religião zoroastrista foi criada na antiga Pérsia (onde hoje se localiza o Irã pelo profeta Zaratustra ou Zoroastro. Hoje ela é professada em regiões do Irã e Iraque. 


Para o Zoroastrismo, o corpo de um cadáver é algo impuro, e para não violar a sacramentalidade da terra, recusam-se a enterrar ou cremar um corpo. 


Em vez disso, depositam o defunto no alto de uma construção nas montanhas, onde os abutres vêm e devoram sua carne, após o que são exumados os ossos, e depois disso jogados num curso d'água para seguir direto em direção ao mar, não tocando assim o solo. Essas construções nas montanhas são chamadas Torres do Silêncio. 



Torre do Silêncio vista de longe.

Torre do Silêncio vista de cima. Na cavidade eram
depositados os cadáveres.



Os antigos romanos (possivelmente tendo capturado essa tradição dos egípcios) costumavam criar suas necrópoles de forma que a família pudesse ter acesso ao local onde o morte estava enterrado em urnas. Isso porque eles acreditavam que o morto necessitava seguir os hábitos de quando estava vivo, assim, os parentes levavam mel, vinho e outros alimentos, até a tumba na crença de alimentarem a alma do falecido. Também era comum a realização de jantares ao redor do túmulo.


Necrópole romana localizada no subsolo da Basílica de São Pedro
no Vaticano. No detalhe, uma urna funerária.
Para algumas tribos de aborígenes da Oceania, a tradição manda que o corpo seja depositado em plataformas construídas com galhos para que possam coletar os líquidos produzidos pela decomposição. Os ossos são pintados e transportados pela família, e os jovens usam os líquidos para pintar o rosto e o tronco, na crença de que assim absorverão as virtudes do morto.


"Cemitério" aborígene na Austrália.
Os Toraja são uma tribo de uma região montanhosa da Indonésia. Para eles, a morte é uma celebração complexa que tem uma preparação de quase 2 meses e exige uma grande quantidade de riqueza para ser realizada. Muitas famílias pobres chegam a arruinar-se financeiramente durante gerações para realizar o ritual para algum parente morto. 

Tongkonan, casa típica Toraja.
Ele se baseia em uma preparação do cadáver durante os 2 meses. A família deve construir uma casa típica (Tongkonan) para guardar as oferendas ao morto, oferecer banquetes aos convidados (às vezes quase 2 mil pessoas), construir uma escultura em tamanho natural do morto que tenta representá-lo fielmente (inclusive algumas vezes usa seus próprios cabelos). Além disso, no dia do enterro, o cadáver é levado todo ornamentado até o túmulo e, pelo caminho, são mortos inúmeros búfalos (quanto mais búfalos a família puder mandar matar, mais rápido será a chegada da alma do defunto, montada nos búfalos até Puya - região sagrada) . O sangue desses animais é coletado em tubos de bambu por crianças durante o percurso do cadáver até o túmulo. Ufa....
Detalhe dos chifres de búfalo na entrada de
uma Tongkonan usada para depositar as
oferendas a um defunto.
No final de tudo podemos pensar que nossa tradição cultural de enterrar os mortos nos cemitérios, em suas lápides finamente ornamentadas com mármore e granito, embora possa causar uma série de danos ambientais e consequências problemáticas pelo espaço, etc, também é um ritual que está muito bem enraizado em nossa cultura ocidental.... Assim, a ideia de propor que os mortos possam ser "plantados" é muito legal do ponto de vista ecológico (tornar a ciclagem dos nutrientes mais direta, usar a energia da matéria que nos constituía para nutrir uma árvore, enfim...), mas será que é algo fácil de se lidar quando entra em choque com toda essa tradição cultural e histórica que nos acompanha?


Detalhe da entrada do enorme cemitério Père-Lachaise, em Paris.
Lá estão sepultadas inúmeras personalidades.

Referências:
http://www.tanatopedia.net/index.php/Rito_funerario_Toraja

http://id.discoverybrasil.uol.com.br/estranhas-tradicoes-para-celebrar-a-morte/

http://periodicos.est.edu.br/index.php/estudos_teologicos/article/viewFile/560/518

http://en.wikipedia.org/wiki/Dakhma

http://pt.wikipedia.org/wiki/Zoroastrismo

https://www.youtube.com/watch?v=ZR8Z2Osk0dg