terça-feira, 7 de abril de 2015

O que pensar das plantas?

Capa de um edição do livro.
por Gustavo Kerntopf.

       A partir de 1880, quando Charles Darwin (1809-1882) e seu filho Francis Darwin (1848-1925) publicaram em The Power of Movement in Plants (O Poder do Movimento nas Plantas) que “A extremidade da raiz funciona como o cérebro em animais, captando os sinais do resto do corpo e direcionando vários movimentos”, o mundo científico tenta desvendar os mecanismos da inteligência vegetal. Há evidências descritas em diversos estudos de diferentes instituições de pesquisa como a Universidade da Califórnia e a Universidade de Washington, nos Estados Unidos, o Instituto Max Planck e a Universidade de Bonn, na Alemanha, a Universidade de Lausanne, na Suíça, entre outras instituições de outros países como México, França, Itália e Japão.

Cleve Backster utilizando o galvanômetro.
       Uma das evidências que corroboram com as hipóteses de Darwin veio em 1966, pelo cientista Cleve Backster (1924-2013, ex-agente da CIA especialista em detectores de mentiras), após diversos experimentos com plantas e outras formas de vida. Backster ligou um galvanômetro (medidor de correntes elétricas à folha de uma dracena (Dracaena cane) cultivada em um vaso do seu escritório. Ao observar o resultado espantou-se ao constatar que, quando ele imaginava a dracena pegando fogo, a agulha do polígrafo se mexia, registrando um surto de atividade elétrica indicador de que a planta sentia estresse. Sugestionou então uma forma básica de comunicação existe entre todos seres vivos, denominado de “percepção primária”, em comparação com as formas comumente reconhecidas de percepção, como visão ou toque.
       O trabalho de Backster estava contido no livro A Vida Secreta das Plantas, publicado em 1973 por Peter Tompkins (1919-2007) e Christopher Bird (1928-1996), no qual apresentou-se como uma encantadora coletânea de botânica. O best-seller influenciou gerações, contribui até o contemporâneo, pois pessoas comunicam-se com suas plantas. No entanto, para a prática laboral, o livro foi uma tragédia, boa parte do que está ali apresentado caiu em descrédito, mesmo assim, o livro deixou sua marca na história.

       Percebendo a repercussão que a obra A Vida Secreta das Plantas havia lançado sobre áreas inteiras de pesquisa, Elizabeth Van Volkenburgh, da Universidade de Washington (EUA), assinou em 2006 um manifesto com outros cinco profissionais – Eric D. Brenner, Rainer Stahlberg, Stefano Mancuso, Jorge M. Vivanco e František Baluška – propondo uma área de estudos chamada “neurobiologia vegetal”. A resposta da comunidade científica foi violenta e cientistas consideraram a palavra “neurobiologia” um mero discurso. Nada obstante, Volkenburgh abriu um departamento em seu laboratório para desmistificar acerca do assunto e ainda fundou a Sociedade de Neurobiologia Vegetal, rebatizada de Sociedade de Comportamento e Sinalização Vegetal.
      No que concerne ao sentido da palavra inteligência, um conceito amplamente utilizado em diversas áreas do conhecimento é a de que, a inteligência está vinculado com a capacidade de um determinado sistema solucionar situações problemas que lhe são impostos pelo contexto geral. De modo geral, a sequência associada com a inteligência é dada por: i) percepção contínua das questões ambientais, ii) processamento e decodificação da informação, iii) acesso ao estado atual da memória, iv) resposta coerente ao estímulo percebido, configurando-se assim um processo cognitivo inteligente.
       Com relação a linguagem, as evidências mais contundentes têm sido mostrado pelas sálvias, plantas herbáceas da família Asteracea, do gênero Artemisia. Richard Karban, da Universidade da Califórnia (EUA), realizou o seguinte experimento: plantou Artemisia tridentata e regularmente, as folhas foram lesionadas com pequenos cortes que imitam dentadas de insetos; em resposta a planta emitiu compostos orgânicos voláteis (VOC). Karban, além de provar que esses compostos existem, percebeu que eles viajam até 60 cm de distância e são percebidos por outros ramos da planta. Em outro experimento Karbam e colaboradores mostram que a sálvia pode reconhecer clones brotando nas proximidades, e, as plantas se comunicam e cooperam mutuamente, para evitar serem comidos por herbívoros.
       Além das mensagens voláteis, as plantas também emitem sinais bioelétricos para enviar informações entre uma célula e outra. Portanto vegetais fazem sinapse! Edward Farmer, o biólogo da Universidade de Lausanne, na Suíça, descobriu que “sinais elétricos viajam através dos tecidos vegetais resultam em diversas respostas, afetando a expressão dos genes ou ativando processos bioquímicos. Com esta pesquisa pioneira sobre comunicação vegetal Farmer demonstra que “é como um rudimento das sinapses animais, pois sinais elétricos vegetais seguem por longas distâncias entre as membranas da planta. Mostramos que alguns deles são importantes para comunicar ferimentos sofridos pelo vegetal”. No entanto, o biólogo é cuidadoso ao relacionar plantas a outros seres vivos quando diz “Não devemos antropomorfizar as plantas. E é importante notar que as plantas têm um sistema nervoso diferente dos animais”.
       Um estudo publicado no periódico Biology Letters, em 2007, mostrou que as plantas reconhecem membros da sua família e competem menos por água e espaço com elas do que quando comparado com indivíduos estranhos. Quando trata-se de vizinhas desconhecidas, o vegetal tende a espalhar mais suas raízes, competindo com ela. Já em 2009, cientistas da Universidade de Delaware (EUA), descobriram como pés de erva-estrelada (Arabidopsis thaliana) reconhecem seus parentes através da identificação de compostos químicos secretados pelas raízes.
     
Rola um som ai!
E será que planta tem audição ou olfato? Estudos indicam que sim. A bióloga Monica Gagliano e sua equipe da Universidade do Oeste Australiano publicaram em 2012 que as folhas de milho (Zea mays) identificam sons. Brotos de milho foram exposta a diferentes frequências de ondas sonoras e ao chegar a 200 hertz, as raízes se direcionavam ao sentido do som. Gagliano sugestiona que essa percepção seja um modo de comunicação mais econômico que a emissão de VOC. Em relação ao olfato, as populares parasitas cuscuta (Cuscuta epithymum) foram alvos de publicação (Science). Acredita-se que cuscuta é norteado por meio do aroma e de seus receptores capazes de identificar compostos voláteis emitidos pelos vegetais. Em experimento cuscuta demonstrou-se seletivo ao tomate que o trigo, além de preferir plantas sãs que as doentes.
        O ano de 2014 trouxe informações adicionais frente ao “comportamento vegetal”. Em janeiro o periódico Oecologia relatou que a popular não-me-toques ou dormideira (Mimosa pudica) possui a capacidade de aprende e tem memória. Na edição de fevereiro, o periódico Ecology Letters demonstrou como os a árvore Acácia (Acacia pseudonigrescens) se defende e manipula suas folhas para transformar as formigas (Pseudomyrmex ferrugineus) em aliadas, protegendo-as de pragas e animais herbívoros como vacas e cavalos.
        Em conjunto, todos esses estudos – e outros que não foram aqui apresentados – estão revolucionando a compreensão sobre plantas. Diferente dos animais, devido a sua falta de locomoção, vegetais desenvolveram um sistema sensorial descentralizado e o processamento de informações é distribuído como uma rede de inteligência artificial, como em computadores. Captação de luzes de diferentes intensidades ou sons delicados como o movimento aquático dentro das células estão espalhados por todo o vegetal.
        Por fim, o que pensar das plantas? A resposta encontrei nas palavras de Sócrates (470 a.C.-399 a.C.)... Só sei que nada sei.

O que pensar das plantas?!


REFERÊNCIAS
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/a-inteligencia-das-plantas-revelada/
http://www.seb-ecologia.org.br/2009/resumos_professores/gustavo_maia.pdf
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-92/questoes-botanicas/a-planta-inteligente

quinta-feira, 19 de março de 2015

Adeus caixões?

Por Eduardo Silveira

Olá pessoal,

Retornando das férias e reativando as publicações no blog, vamos lá!!

Na Segunda Fase em que estou trabalhando nesse semestre, estávamos discutindo sobre a divisão celular. A partir de três vídeos propus o exercício de pensarmos a relação entre eles, a divisão celular e a vida. E assim, em meio à discussão, surgiu a ideia de que a vida é um ciclo contínuo. Eterno retorno. Nascemos, crescemos e morremos, mas aquilo que nos constitui serve de elemento para que outras vidas também possam constituir-se. Esses são os três pequenos vídeos:

Daniel Csobot - Macro Time Lapse
Sam Taylor-Wood - A Little Death
Emma Allen - Ruby


Aí, a Laura, da turma 222 encontrou essa notícia e me mandou





Depois de ler, fiz algumas reflexões e resolvi escrever sobre a questão da morte. Um tema silenciado. Esquecido e muito problemático de se discutir na nossa sociedade. Paradoxal: a morte sussurra sua presença continuamente para nós e nos negamos a vê-la como parte fundamental da nossa existência.



Mulher Ianomâmi.


Quando li a notícia comecei a pensar sobre a questão da morte e de nosso comportamento em relação a ela... Culturalmente a morte pode significar muitas coisas para o ser humano. Cada cultura, em cada local do planeta, tem um entendimento sobre a morte e uma maneira de relacionar-se com ela. Para a antropologia, as tradições culturais relacionadas à morte são como aquelas relacionadas ao nascimento. Ou seja, assim como quando um bebê nasce, ele ganha um nome, e existem tradições que determinam o nascimento daquele indivíduo na cultura, um morto só se torna de fato um morto quando passa pelos rituais específicos da cultura.


Uma definição bacana de ritual está expressa nas palavras da antropóloga Mariza Pereiano:

O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é constituído de sequências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral expressos por múltiplos meios. Estas sequências têm conteúdo e arranjos caracterizados por graus variados de formalidade (convencionalidade), estereotipia(rigidez), condensação (fusão) e redundância (repetição).

Existem rituais que, para nós, podem parecer tenebrosos. Assim como para eles, deve ser tenebroso botar o corpo dentro do caixão e jogar embaixo da terra...



Ritual Ianomâmi.
O primeiro exemplo que trago é dos povos Ameríndios da América do Sul (Ianomâmis que vivem na Amazônia venezuelana). 

Para esse povo, a morte de um parente é ocasionada a ação de xamãs e demônios. Nesse caso, logo após a morte o corpo é cremado. As cinzas e ossos resultantes são guardados e depois de um tempo são incorporadas a uma sopa de bananas que o grupo familiar do morto come. Com isso eles acreditam que estariam absorvendo a energia vital do morto. A prática é chamada de endocanibalismo.   

Representação de um Jhator.
Entre os tibetanos, em sua maioria budista, existia um costume chamado de "jhator". Ele era um hábito funerário tibetano, em que partes específicas do cadáver eram dissecadas e depositadas no alto de uma montanha para sofrer a ação da natureza,  sobretudo das aves de rapina. 

Lembrando que para o budismo, após a morte, a alma segue viva e torna a reencarnar. Nesse caso, o corpo é somente uma casca vazia que nada mais significa. 





Aves saprófitas se alimentando de
cadáver humano em um Jhator.

religião zoroastrista foi criada na antiga Pérsia (onde hoje se localiza o Irã pelo profeta Zaratustra ou Zoroastro. Hoje ela é professada em regiões do Irã e Iraque. 


Para o Zoroastrismo, o corpo de um cadáver é algo impuro, e para não violar a sacramentalidade da terra, recusam-se a enterrar ou cremar um corpo. 


Em vez disso, depositam o defunto no alto de uma construção nas montanhas, onde os abutres vêm e devoram sua carne, após o que são exumados os ossos, e depois disso jogados num curso d'água para seguir direto em direção ao mar, não tocando assim o solo. Essas construções nas montanhas são chamadas Torres do Silêncio. 



Torre do Silêncio vista de longe.

Torre do Silêncio vista de cima. Na cavidade eram
depositados os cadáveres.



Os antigos romanos (possivelmente tendo capturado essa tradição dos egípcios) costumavam criar suas necrópoles de forma que a família pudesse ter acesso ao local onde o morte estava enterrado em urnas. Isso porque eles acreditavam que o morto necessitava seguir os hábitos de quando estava vivo, assim, os parentes levavam mel, vinho e outros alimentos, até a tumba na crença de alimentarem a alma do falecido. Também era comum a realização de jantares ao redor do túmulo.


Necrópole romana localizada no subsolo da Basílica de São Pedro
no Vaticano. No detalhe, uma urna funerária.
Para algumas tribos de aborígenes da Oceania, a tradição manda que o corpo seja depositado em plataformas construídas com galhos para que possam coletar os líquidos produzidos pela decomposição. Os ossos são pintados e transportados pela família, e os jovens usam os líquidos para pintar o rosto e o tronco, na crença de que assim absorverão as virtudes do morto.


"Cemitério" aborígene na Austrália.
Os Toraja são uma tribo de uma região montanhosa da Indonésia. Para eles, a morte é uma celebração complexa que tem uma preparação de quase 2 meses e exige uma grande quantidade de riqueza para ser realizada. Muitas famílias pobres chegam a arruinar-se financeiramente durante gerações para realizar o ritual para algum parente morto. 

Tongkonan, casa típica Toraja.
Ele se baseia em uma preparação do cadáver durante os 2 meses. A família deve construir uma casa típica (Tongkonan) para guardar as oferendas ao morto, oferecer banquetes aos convidados (às vezes quase 2 mil pessoas), construir uma escultura em tamanho natural do morto que tenta representá-lo fielmente (inclusive algumas vezes usa seus próprios cabelos). Além disso, no dia do enterro, o cadáver é levado todo ornamentado até o túmulo e, pelo caminho, são mortos inúmeros búfalos (quanto mais búfalos a família puder mandar matar, mais rápido será a chegada da alma do defunto, montada nos búfalos até Puya - região sagrada) . O sangue desses animais é coletado em tubos de bambu por crianças durante o percurso do cadáver até o túmulo. Ufa....
Detalhe dos chifres de búfalo na entrada de
uma Tongkonan usada para depositar as
oferendas a um defunto.
No final de tudo podemos pensar que nossa tradição cultural de enterrar os mortos nos cemitérios, em suas lápides finamente ornamentadas com mármore e granito, embora possa causar uma série de danos ambientais e consequências problemáticas pelo espaço, etc, também é um ritual que está muito bem enraizado em nossa cultura ocidental.... Assim, a ideia de propor que os mortos possam ser "plantados" é muito legal do ponto de vista ecológico (tornar a ciclagem dos nutrientes mais direta, usar a energia da matéria que nos constituía para nutrir uma árvore, enfim...), mas será que é algo fácil de se lidar quando entra em choque com toda essa tradição cultural e histórica que nos acompanha?


Detalhe da entrada do enorme cemitério Père-Lachaise, em Paris.
Lá estão sepultadas inúmeras personalidades.

Referências:
http://www.tanatopedia.net/index.php/Rito_funerario_Toraja

http://id.discoverybrasil.uol.com.br/estranhas-tradicoes-para-celebrar-a-morte/

http://periodicos.est.edu.br/index.php/estudos_teologicos/article/viewFile/560/518

http://en.wikipedia.org/wiki/Dakhma

http://pt.wikipedia.org/wiki/Zoroastrismo

https://www.youtube.com/watch?v=ZR8Z2Osk0dg